CNI apresenta iniciativas e propostas da indústria brasileira para um futuro sustentável

Com três unidades no Brasil, a Flex recolhe mensalmente 600 toneladas de resíduos eletrônicos. São computadores que não têm mais uso, celulares antigos ou quebrados e televisores que serão transformados em eletroeletrônicos. Também são reciclados os resíduos da operação da empresa, como papelão, madeira, metal e embalagens. Graças aos processos desenvolvidos no Brasil, a maior parte do material recuperado volta para a cadeia de suprimentos como matéria-prima ou produto acabado.

 

Leandro Santos, vice-presidente de operações da Flex no Brasil, diz que produtos que não têm mais uso em geral viram matéria-prima. “Em 2018, recebemos o certificado Zero Waste para nossa operação em Sorocaba. Mais de 95% de tudo o que a gente opera – seja resíduo, seja logística reversa – são transformados em matéria-prima em uma cadeia tecnológica”, comenta. “A gente transforma plástico de uma impressora em desuso em outra impressora. O que não pode ser usado, a exemplo do metal, mandamos para outras cadeias. Tudo é reaproveitado”, diz.

 

O novo tempo dos negócios

 

Diante do sucesso da metodologia desenvolvida no Brasil, a companhia está transferindo esse conhecimento para fora, com o intuito de que as outras fábricas da Flex no mundo também se transformem em zero waste, explica Santos. Essa certificação, exigida para prestação de serviços a multinacionais da Europa e dos Estados Unidos, garante que nada da produção da fábrica alimente aterros sanitários. “Desenvolvemos uma metodologia e uma cadeia de fornecimento dentro e fora do Brasil e, assim, podemos transformar operações que geravam resíduos em operações que não geram”, comemora Santos.

 

As práticas sustentáveis de produção, no entanto, não vieram do dia para a noite. “Foram oito anos de investimento, capital humano, pesquisa e desenvolvimento. Na nossa operação no Brasil, temos 10 mil colaboradores. Nossos investimentos têm sido constantes e consideráveis no treinamento de uma força de trabalho capaz de aliar tecnologia, sustentabilidade, diversidade e inclusão”, afirma Santos.

 

 

Um dos pilares da estratégia da indústria brasileira para promover a transição para a economia de baixo carbono é a economia circular. Ela busca preservar e aprimorar o capital natural – controlando estoques e equilibrando os fluxos de recursos renováveis – e otimizar o rendimento de recursos, fazendo circular produtos, componentes e materiais que possam ser reaproveitados. Os outros três pilares definidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para promover essa transição são a regulamentação do mercado de carbono, a transição energética e a conservação da floresta.

 

“A agenda de sustentabilidade é irreversível; hoje, qualquer negócio tem que estar conectado a essas orientações”, resume Paulo Teixeira, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast). Ele diz que, no caso do setor de plástico, produtos que não são reciclados de forma mecânica podem ser reciclados de forma energética, isto é, pode-se gerar energia a partir de produtos que já foram retirados da natureza.

 

Marcelo Thomé, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO) e do Conselho Temático de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, afirma que as transformações que visam à economia de baixo carbono podem abrir inúmeras oportunidades para o Brasil, cujas características naturais proporcionam uma série de vantagens em relação a outros países. Ele lembra que fomos o primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas absolutas de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).

 

Segundo Thomé, a agenda da sustentabilidade não é mais opcional, mas mandatória para a indústria brasileira, devido ao grau de exigência de consumidores que hoje optam por produtos, serviços e empresas que produzem de forma sustentável. “Além disso, os governos sinalizam sobretaxar importações de países com alta pegada de carbono em seus processos produtivos e pode haver dificuldade de financiamento da produção”, argumenta. Isso porque diversos fundos e bancos caminham na direção de investir apenas na produção sustentável, explica Thomé.

 

Pilares do baixo carbono

 

Os quatro pilares definidos pela CNI serão apresentados no estande do Brasil na 26ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP26), de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. As medidas já implementadas pela indústria brasileira serão ilustradas com diversos cases de sucesso do setor, que representam ações concretas para o meio ambiente e a sustentabilidade do país.

 

O evento também será uma oportunidade de atrair investimentos para o Brasil, que ainda possui participação tímida na obtenção de recursos no mercado internacional. Dados da CNI mostram que, enquanto a Ásia – continente com a maior participação – ficou com 38% dos recursos de fundos climáticos, a América Latina e o Caribe receberam apenas 4,5% do total.

O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, ressalta que, “apesar de o Brasil estar bem aquém do seu potencial para receber financiamento climático, a indústria brasileira vem fazendo investimentos expressivos em descarbonização”. Segundo ele, “a agenda climática é uma oportunidade para produzir e consumir de forma mais consciente e eficiente e, na COP26, a indústria brasileira vai mostrar seu comprometimento com a questão ambiental, que vem de muito tempo”.

 

No caso da transição energética, a indústria defende a expansão do uso de fontes renováveis, o reconhecimento da importância dos biocombustíveis, o estímulo ao consumo racional de energia e as ações de eficiência energética. “O primeiro passo é a transição energética. Quando você está falando em energia, é o que você precisa para movimentar a indústria”, defende Thiago Falda, presidente da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI).

 

Em relação à precificação do carbono, a CNI propõe a adoção de um mercado baseado no sistema cap and trade, no qual empresas com volume de emissões inferior ao autorizado podem vender o excedente para as que lançam uma quantidade maior de gases de efeito estufa na atmosfera, o que estimulará investimentos em tecnologias limpas. No caso da economia circular, a indústria propõe a gestão estratégica dos recursos naturais, ampliando práticas como ecodesign, manutenção, reuso, remanufatura e reciclagem, ao longo de toda a cadeia de valor.

 

A ampliação das áreas sob concessão florestal no país, o fortalecimento do manejo florestal sustentável e o estímulo aos negócios voltados à bioeconomia são as diretrizes do pilar de conservação ambiental, que inclui, ainda, uma ação mais efetiva de combate ao desmatamento ilegal e às queimadas, sobretudo na Amazônia. Jéssica Dalmaso, vice-presidente da Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), afirma que, “ao incentivar o uso econômico de atividades florestais, como o manejo florestal, inibe-se a conversão do uso do solo por atividades que necessitam do desmatamento, reduzindo as taxas de emissão”.

 

“Mais de 95% de tudo o que a gente opera são transformados em matéria-prima”, diz Leandro Santos

Novas oportunidades de negócios

 

Marcelo Thomé, da FIERO, ressalta que os quatro pilares identificados no estudo da CNI apresentam diversas oportunidades de negócio para o setor industrial brasileiro. “Transição energética já é um setor que avança muito, não só pela diversificação da matriz, mas pela destinação econômica para resíduos industriais, no caso de biomassa e biogás, por exemplo”, detalha. Em Rondônia, um projeto piloto estimula a produção de biogás a partir de resíduos sólidos urbanos, incluindo substratos industriais. “Precisamos encontrar uma solução para os 772 municípios da Amazônia Legal que até hoje não têm uma destinação adequada para o lixo”, comenta.

 

No projeto piloto, afirma ele, foi possível identificar que tanto o setor de frigoríficos de carne quanto o de pescado têm potencial para fornecer insumos para o biogás. Um segundo projeto integra lavoura, pecuária e floresta com foco na recuperação de áreas degradadas. “Somente em Rondônia, 70% das áreas de pastagem estão subutilizadas ou degradadas, sendo que são um campo fértil para implantação de empreendimentos pecuários integrados”, conta Thomé. Segundo ele, é possível aumentar a produção pecuária apenas com a recuperação dessas áreas com novas tecnologias, processos e integração de atividades.

 

Jéssica Dalmaso, da Confloresta, avalia que, para ser bem-feita, a transição para uma economia de baixo carbono exige diálogo e planejamento proativo entre trabalhadores, empregadores, governantes, comunidades e a sociedade civil. “A indústria, como um setor importante da economia, deve participar dessa articulação com o escopo de acompanhar o processo, para que os custos e benefícios da ação climática sejam distribuídos de forma equilibrada”, afirma. Segundo ela, apoio, proteção social e investimento são necessários para que as pessoas que atualmente dependem de atividades com uso intenso de combustíveis fósseis possam prosperar em um futuro no qual as emissões cheguem a zero.

 

Jéssica diz que a indústria tem feito inúmeros avanços rumo à conservação ambiental. Ela destaca que cerca de 30% de todas as florestas tropicais remanescentes do mundo estão localizadas na Amazônia. Lá, diz, existem vastos estoques de madeira comercial e uma grande variedade de produtos florestais não madeireiros, como frutos, cipós e óleos, que sustentam diversas comunidades locais.

 

A vice-presidente da Confloresta cita como exemplo a empresa Benevides Madeiras, no Pará, que transforma resíduos de madeira em energia elétrica, com capacidade de gerar 2.000 kWh, o suficiente para abastecer completamente a indústria e outras unidades da empresa, além de inserir créditos na matriz energética pública. “É um grande exemplo rumo ao futuro sustentável que o mundo almeja para a Amazônia”, elogia.

 

Jéssica Dalmaso (Confloresta) avalia que a transição para uma economia de baixo carbono exige participação de diversos setores da sociedade

Transição energética

 

Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), destaca que a indústria e os grandes consumidores têm um papel muito importante na transição energética, especialmente quando optam pelo consumo de fontes renováveis, fechando contratos no mercado livre direto com geradores ou por meio de comercializadoras. “Esse movimento de grandes empresas decidindo que apenas vão consumir energia renovável é fundamental para incentivar outras a fazerem o mesmo”, pontua Elbia.

 

Ela afirma que, no caso específico da energia eólica, o impacto positivo é muito grande, porque essa fonte não emite gases de efeito estufa na sua geração. Para Elbia, falar de transição energética no caso do Brasil é fácil. “Já temos uma matriz elétrica e energética com participação de renováveis acima da média mundial. No caso da elétrica, por exemplo, temos 83% de renováveis, enquanto a média global é de cerca de 25%. Na matriz energética temos 46%, enquanto a média mundial está ao redor dos 15%”, detalha.

 

 

Além de o Brasil ter um dos melhores ventos do mundo para geração de energia eólica em terra, em alguns anos o país terá eólicas offshore (que aproveitam o vento do alto-mar para produzir energia), prevê Elbia. O desafio do Brasil, afirma, não é gerenciar a escassez de recursos naturais limpos, “mas gerenciar sua abundância para produção de energia e tirar de cada um deles o melhor possível, protegendo a natureza e trazendo retornos sociais e econômicos para a sociedade”.

 

Paulo Teixeira, da Abiplast, diz que o setor de plástico e reciclagem tem caminhado para a eficiência energética com energia solar. “Com galpões grandes, você tem a possibilidade de autogeração para a própria produção”, explica. Segundo ele, a fim de que as medidas em direção a uma economia de baixo carbono obtenham melhores resultados, elas precisam incluir toda a cadeia produtiva, e não apenas empresas isoladas. “É preciso envolver a empresa, o fornecedor e quem vai consumir”, defende.

 

 

Nesse sentido, ele destaca um projeto em parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que busca fórmulas alternativas para gestão de resíduos nos municípios. “É o setor privado pensando em alternativas para propor mudanças e também mudando efetivamente o modelo de negócios das municipalidades para obter mais eficiência e sustentabilidade”, afirma. Segundo Teixeira, a quantidade de resíduos que vai para o aterro diminuirá e a própria reciclagem continuará utilizando material já retirado da natureza. “Em vez de enterrar coisas, os governos gastarão dinheiro com saúde e educação, que são pilares para a discussão de sustentabilidade e meio ambiente”.

 

A regulamentação do mercado de carbono está em pauta na Câmara dos Deputados. Relatora do projeto, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) diz que a previsão é de aprová-lo ainda neste ano. “Pela relevância do tema e por um consenso que vem sendo construído na Câmara em diálogo permanente com o Executivo, com o mercado e a sociedade, acreditamos que será aprovado ainda em 2021”, prevê.

 

Apresentado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM), o projeto de Lei 528/21 estabelece regras para compra e venda de créditos de carbono no país e fixa em cinco anos o prazo para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de gases de efeito estufa.

 

O texto cria um mercado voluntário de créditos de carbono, que se destina à negociação com empresas ou governos que não atingem as metas obrigatórias de redução de GEE, mas desejam compensar o impacto ambiental de suas atividades. Eles poderão investir em projetos que visam reduzir as emissões de carbono na atmosfera. As transações no mercado voluntário serão isentas de PIS, Cofins e CSLL.

 

“A agenda de sustentabilidade é irreversível. Hoje, qualquer negócio tem que estar conectado a essas orientações”, defende Paulo Teixeira
Relatora da regulamentação do mercado de carbono, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) acredita na aprovação do texto ainda em 2021
Relatora da regulamentação do mercado de carbono, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) acredita na aprovação do texto ainda em 2021.

A tecnologia da bioeconomia

 

A bioeconomia prioriza a utilização de recursos naturais renováveis, a exemplo da madeira, mas essa priorização “deve ser acompanhada de um aumento do conteúdo tecnológico, para que não se estimule um extrativismo rudimentar puro e simples”, diz Jéssica Dalmaso, da Confloresta.

 

“Se analisarmos o uso das florestas de forma consciente, é fato que a realização do manejo florestal, que faz parte da bioeconomia, é a melhor alternativa disponível no mercado”, argumenta. Além da madeira, o manejo pode fornecer dados para criação de outros serviços ambientais, incluindo a exploração de produtos não madeireiros, como castanhas e óleos, e a captação de carbono.

 

“Precisamos reduzir a burocracia manual, aplicar mecanismos que façam uso dessas novas ferramentas, divulgar essas iniciativas de forma contínua para o mercado consumidor e aplicar o comércio justo, de forma que seja pago o preço justo aos produtos florestais que hoje sofrem com a concorrência ilegal”, argumenta Jéssica.

 

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